1. Definição de intertextualidade
A intertextualidade abrange várias maneiras pelas quais, tanto a produção quanto o entendimento de algum texto depende do conhecimento que o interlocutor tem de outros textos. A partir daí, passa então a existir fatores relativos a conteúdo, fatores formais e fatores ligados a tipos textuais.
O conhecimento de mundo que o leitor tem está ligado com os fatores relativos ao conteúdo, exemplo claro disso são artigos jornalísticos que fazem cobertura sobre determinado fato ocorrido em algum lugar, subentende-se que os moradores daquele local já estão a par do ocorrido, então a revista ou o jornal faz sua matéria dando cobertura aos fatos novos que surgem sem se preocupar em mostrar o assunto publicado anteriormente, apesar de serem jornais diferentes cada artigo pressupõe que os leitores conheçam os artigos sobre o assunto, ficando assim estabelecido com eles uma intertextualidade, ao qual um texto faz menção a outro texto já estabelecido anteriormente.
Para se obter uma intertextualidade de caráter formal é preciso a vinculação à tipologia textual, a bíblia, por exemplo, contém textos que cada leitor interpreta de uma maneira, porém, ao fazer uma leitura com o auxílio de alguém que tem entendimento da mesma, certamente ficará mais claro a interpretação e assim poderá perceber a significação pretendida pelo autor dos textos bíblicos.
Quanto à intertextualidade tipológica, se deve à estrutura que cada texto está caracterizado e para que ocorra a compreensão é preciso que apresente certas características de coerência e coesão.
Ao produzirmos um texto ou ao interpretarmo-lo o mesmo, recorremos ao conhecimento prévio de outros textos, ou seja, valemo-nos da intertextualidade.
Ao produzirmos um texto, repetimos expressões, enunciados ou trechos de outros textos, ou o estilo de determinado autor e o discurso, temos então, a intertextualidade.
Até mesmo as crianças constroem seu modelo de história, pois de tanto ouvirem os adultos contarem, elas acabam criando uma base para construção de suas próprias narrativas.
2. A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E O CORPUS COLETADO
2.1. TEMA: Canção do Exílio
Para a análise, retiramos fragmentos de vários textos para comparar com o poema "Canção do exílio" de Gonçalves Dias. Após a leitura dos textos, percebemos que foram escritos fazendo alguma intertextualidade com o texto original, intertextualidade esta que pode ser implícita ou explícita, paródia ou paráfrase, ou pode até mesmo ser lembrada no texto por pequenas palavras e por estruturas textuais.
TEXTO 01
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas.
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores,
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra te palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Ode canta o Sabiá.
Gonçalves Dias.
Maingueneau (1976, p.39), afirma que “o intertexto é um componente decisivo das condições de produção e que um discurso não vem ao mundo, numa inocente solitude, mas constrói-se através de um já dito em relação ao qual toma posição”.
O conceito de intertextualidade aponta para a produtividade dos textos, para como os textos podem transformar textos anteriores e reestruturar as convenções existentes (gêneros, discursos) para gerar novos textos. Mas essa produtividade na prática não está disponível para as pessoas como um espaço ilimitado para a inovação textual e para os jogos verbais: ela é socialmente limitada e restringida e condicional conforme as relações de poder. (Fairclough- apostila).
Nas entrelinhas dos textos existem ou existiram fragmentos de outros textos. Sendo assim, o que pode ser mostrado é que todo texto é heterogêneo, revelando assim o seu interior com seu exterior.
Aqui veremos um outro quadro contendo fragmentos do texto, este que é um dos mais parodiados de nossa literatura. Podemos ver presente no quadro a seguir a importância da leitura sobre as relações intertextuais.
TEXTO 02
Canção do exílio
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametistas,
[...]
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
[...]
Murilo Mendes.
Murilo Mendes faz uma alusão a Gonçalves Dias que exalta a natureza brasileira. Os versos de Murilo Mendes citam Gonçalves Dias com a intenção oposta, pois pretende ridicularizar o nacionalismo exaltado. Um texto cita outro, ou seja, intertextualiza com basicamente finalidades distintas, porém que são a reafirmação de alguns sentidos do texto citado. Em relação ao texto de Murilo Mendes ele inverte o sentido e faz "... um tipo de intertextualidade fraca, uma vez que se nota apenas uma leve menção a outro texto ou a um componente seu". (Paulino, 1995, p. 29).
Aqui temos duas "Canção do exílio" diferentes. Murilo Mendes faz uma paródia do poema de Gonçalves Dias, por meio de sua paródia”Canção do Exílio” e o leitor a reconstitui fazendo um questionamento através das pistas que a paródia contém.
Ao dizer “minha terra tem macieiras da Califórnia”, o autor manifesta sua contrariedade utilizando ironia para intertextualizar seu poema e, por meio dele, mostrar seu descontentamento em relação à sua pátria. As “macieiras da Califórnia” retratam os produtos importados pelo Brasil, pois estamos vivendo num momento em que a maioria dos produtos consumidos pela população brasileira é importada e quem perde com isso é o país.
Enquanto no poema de Gonçalves Dias, diz “minha terra tem palmeiras”, retratando as belezas da terra em que vive, exaltando o próprio país, Murilo Mendes também usa essa exaltação afirmando “nossas flores são mais bonitas/nossas frutas são mais gostosas”, dizendo que as coisas que nós temos aqui são melhores, mais bonitas, porém, de que adianta tudo isso se custam preços altíssimos “mas custam cem mil Réis a dúzia”? Não interessa ter coisas belas em nosso país se não podemos pagar por elas e até mesmo tê-las.
Diante desta questão, podemos analisar um fato evidente no qual o sujeito pertencente à uma determinada formação epistemológica possui quesitos básicos para desencadear diversos questionamentos sobre algum assunto pelo qual esteja insatisfeito. Murilo Mendes tece uma crítica ao Brasil mostrando sua insatisfação e cria esta paródia que, também, deixa pistas, mostrando ser um intertexto. Ao falar “os poetas de minha terra são pretos que vivem em torres de ametistas” ele ironiza enfatizando o meio social, a escravidão dos negros subjugados que há muito existiu e ainda existe, talvez não a escravidão negra, mas vários outros tipos de escravidão. Podemos associar a palavra “torres” com os morros da favela onde a maioria negra constrói as suas casas.
Murilo Mendes apresenta sua revolta, figurando-se como um individuo que está descontente com as coisas existentes em seu país e julga-se exilado em sua própria terra por não compartilhar os valores nela vigentes.
TEXTO 03
Canto de Regresso à Pátria
“Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá.
[...]
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
[...]
Oswald de Andrade.
Este texto lembra o original de Murilo Mendes pela estrutura semântica, pois o objetivo da paródia é justamente "desmerecer, troçar, zombar" com a originalidade do texto mudando o sentido. Ao fazer a troca de "palmeiras" por "palmares" do poema de Gonçalves Dias, Oswald de Andrade muda o sentido semântico das duas palavras: "palmeiras", paisagem que embeleza o país; "palmares", relaciona-se com escravidão, tristeza surgida em épocas remotas que de certa forma persiste até hoje. A substituição “Palmares” por “palmeiras” é uma crítica história, com efeito irônico e crítico. Na poesia de Oswald de Andrade "ocorre um processo de inversão de sentido, com um deslocamento completo". (Sant'anna, 1995, p. 25), pois os sentidos realmente causaram efeitos diferentes.
REFERENCIAS
cefaprocaceres.com
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